“Se tem luar no céu/ retira o véu e faz chover sobre o nosso amor”. Sempre que eu ouço “Chuva de prata” eu me lembro do quanto minha mãe gostava dessa música e do quanto aprendi a gostar ouvindo por tabela as fitas K-7 e os CDs que ela colocava em casa e no carro. Foi assim que eu conheci não só as músicas de Gal Costa (se você nasceu nos anos 1990 vou te contar: a Sandy gravou essa música muitos anos depois) como de Bethânia, Rita Lee, Mercedes Sosa, Alcione, Zizi Possi, Elis Regina e muitas outras cantoras brilhantes.
Em 2013 pela primeiríssima vez eu iria a um show da Gal Costa. Já bem pra lá da Chuva de Prata, com seu então recente Recanto, Gal cantaria na Virada Cultural. E lá fui eu, com 28 anos, para o palco Júlio Prestes, naquilo que era a tradução máxima da cultura em São Paulo. Àquela altura eu já tinha pegado para mim o gosto por música brasileira e visto inúmeras apresentações no YouTube daquela mulher transgressora, sensual, talentosa, divina maravilhosa.
O show foi mesmo apoteótico. A luz da lua, Gal cantando “Mãe” e uma voz… diferente daquela Gal Costa do meu imaginário. Sem tantos agudos apesar de muita potência. O que tinha acontecido? Por que ela não alcançava as mesmas notas? Cadê aquela Gal do show na Bahia em 1981 que duelava com o guitarra sem perder nenhum solo sequer? Aquela Gal tinha… Envelhecido. E durante muito tempo eu parecia o meme do cara obcecado com os pensamentos enquanto come, anda de ônibus, antes de dormir.
Foi aí que eu me dei conta de que as pessoas envelhecem e de que, quando isso acontece, suas vozes envelhecem junto. Por que eu estava tão surpresa e por que eu estava cobrando que a artista permanecesse a mesma depois de 25 anos? Porque a indústria cobra isso da gente, a indústria sistematicamente mostra que as mulheres são muito úteis em seu auge reprodutivo e que depois disso, já era. Parece Gilead? Pois é.
Não acredita? Lembra quando a Madonna foi xingada e chamada de velha e passada nas redes sociais? A Madonna, que inspirou gerações de mulheres e de artistas, ela mesma. Lembra quando sinalizaram pejorativamente que a Bjork tava cantando dois tons abaixo do que ela sempre cantou? Ou quando a Xuxa foi criticada por sua imagem?
É, quando a indústria do entretenimento diz que a mulher não pode envelhecer, muita gente acredita e compra essa ideia. Eu não sabia, aos 28, que eu era etarista e que eu queria a Gal ao vivo numa gravação de 1981. Ou de 1994.
Afinal de contas, a gente gosta da obra ou a gente cultua a juventude da mulher? Se a sua resposta for a segunda, bem, você é etarista e tem preconceito com gente mais velha. E se queremos uma artista de outro tempo, não há live ou álbum novo que dê jeito.