Como produtora de conteúdo digital, precisei reaprender a escrever. Outro dia, fiquei intrigada com a quantidade de vezes em que a Flora, cachorrinha que adotamos, fica com soluço. Achei que não era nada sério a ponto de consultar um veterinário, mas não resisti a uma consulta ao Google. Busquei por “filhote de cachorro com soluço” e já no segundo link, a chamada que me fisgou: “O perigo do soluço em filhotes de cachorros!”. Claro que fui ler, já preocupada com minha baby.
Antes do texto tinha uma foto bem apelativa, de um cachorrinho com cara de sofrimento. O primeiro parágrafo trazia apenas o assunto que seria tratado: entenda porque o soluço acontece e quais os perigos que ele representa. O segundo expunha a situação de ter um filhote com soluço, algo que todo dono de cachorro se identifica. No terceiro e no quarto, mais um monte de blá explicando o que é o soluço. A partir daí, uma série de explicações sobre por quê o soluço acontece, por que é mais comum em filhotes e o que fazer para o bichinho parar de soluçar.
No último parágrafo, enfim, a resposta para a dúvida apontada no título: soluço não significa perigo algum ao animal, portanto, podemos ficar tranquilos.
Devo ter ficado pelo menos uns 5 minutos no site, enquanto testava com a Flora as dicas sobre como fazer o soluço parar. Mesmo se não tivesse feito isso, teria cumprido toda a jornada de consumo daquela página, uma vez que rolei o texto até o final para finalmente ler que soluço não era perigoso.
Fiquei pensando, como produtora de conteúdo digital, o quanto precisei reaprender a escrever nos últimos meses. Para a Debora jornalista, jamais seria possível a informação principal ser apresentada no último parágrafo. Para a Debora que produz conteúdo para sites e blogs, o link em questão é coisa de gênio, uma vez que me deu todas as informações que eu precisava, outras que eu nem sabia que queria saber e ainda me fez descer até o fim da página e clicar em uma notícia relacionada.
O equilíbrio entre a boa escrita e otimização
Nos últimos 2 ou 3 anos, muita gente ganhou dinheiro produzindo textos otimizados em grande escala, com volume para lotarem a timeline das redes sociais de portais verticais e dominarem as páginas de pesquisa do Google. Muitos sites com conteúdos segmentados foram criados apenas para esse fim: aumentar o rankeamento em buscas, atrair tráfego e vender ali publicidade segmentada para o público que está à procura daquele assunto.
Essas são estratégias de publicidade que muitas empresas seguiram. O problema é que, se você é uma empresa que se preocupa apenas com o início da régua de CRM, ou seja, seu propósito é atrair um volume alto de pessoas uma única vez, talvez essa estratégia funcione. Agora, se você precisa fidelizar pessoas e não apenas atrair, aí a coisa complica. Eu, por exemplo, não me lembro nem o nome do site sobre cachorros que visitei e muito menos me senti interessada em saber qual empresa, pessoa, ou whatever produziu o conteúdo que li. Normalmente esses são textos super mal construídos, com nenhuma preocupação com uma linguagem mais interessante, nenhuma referência mais analítica ou a outros assuntos relacionados. E o que é pior: são textos produzidos dentro de uma fórmula pronta, que serve tanto para falar de soluço de cachorro como de lavagem de sofá.
Como produzir conteúdo digital interessante, afinal?
Se você é jornalista, lembra dos primeiros semestres da faculdade, quando você ficava puto que seu professor cortava todo nariz de cera do seu texto, toda aquela obra-prima narrativa e te obrigava a ir direto ao assunto? Tem muito jornalista hoje igualmente puto com esse novo jeito de comunicar, chamando de lixo todo e qualquer conteúdo digital.
Stay calm, people!
Assim como você aprendeu a usar técnicas de jornalão, é fundamental entender que hoje, para cumprir sua função no mundo, ou seja, comunicar, você precisa dominar as técnicas de SEO, saber fazer a ligação entre conteúdo e estratégias de vendas, usar e abusar dos insights vindos das análises de dados, conhecer a fundo quem é seu público alvo, ter uma estratégia para alcançar o público que você quer, mas ainda não tem, abrir mão do textão e adotar narrativas visuais, compactas e bem-humoradas. Manjar de foto, de vídeo, de edição. Não precisa ser expert, basta não ter medo de tentar fazer. Tudo isso faz parte do trabalho atual de comunicar.
Assim como durante anos desenvolvemos uma linguagem de qualidade, dentro de regras e padrões jornalísticos, hoje o conteúdo digital precisa fazer esse match novamente. E tem muita gente produzindo com bastante relevância e usando técnicas de otimização, como o jornal Nexo, o Zenklub, startup de saúde mental que atendemos na Casa Lab e o Buzzfeed, que é óbvio, mas não pode deixar de ser lembrado.